A importância da estimulação cognitiva / mental / ambiental dos nossos cães (e animais domésticos no geral)

A importância da estimulação cognitiva / mental / ambiental dos nossos cães (e animais domésticos no geral)
Estes conceitos têm sido cada vez mais falados nos últimos tempos – com a expansão dos serviços e produtos para animais de companhia, a estimulação tem sido apontada como uma das principais formas de garantir a qualidade de vida dos nossos animais, assim como uma estratégia de marketing também para a venda dos mais variados produtos, muitos deles sem utilidade e benefício no fundo, daí que é importante estarmos devidamente informados. Ainda assim, nunca é demais alertar para essa mesma importância e explicar o porquê de assim ser.
Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, e também porque foi algo generalizado e nunca contestado, a melhor forma de cansar um cão, não é, de todo, pô-lo a correr atrás de uma bola de forma repetida, obsessiva e até doentia. Aliás, esta até uma actividade que desaconselho a alguns cães - entre outras coisas: já viram o quão ridícula é esta actividade que lhes impomos, que se baseia na caça, mas motivamos um cão a correr atrás de uma presa amorfa indefinidamente, que lha retiramos quando bem nos apetece? Existem cães que esta é a única actividade conjunta com o dono que conhecem e isso não é positivo, daí termos cães que são completamente obcecados em bolas.
Uma das melhores formas de cansar um cão, é garantir que ele tem a devida estimulação quando está sozinho (e acompanhado também) e dar-lhe oportunidade de canalizar a energia que tem para fins apropriados e não de formas que as pessoas não apreciam muito – buracos e destruição, ladrar, saltar e mordiscar, etc, - e que também não têm nada de benéfico para o cão a longo prazo, porque criam-se ciclos viciosos cada vez mais difíceis de contrariar.
E porquê a importância desta estimulação?
Durante muitos anos, considerou-se que a cognição dos cães era limitada a ponto de nem sequer se considerar que tinham capacidades de raciocínio e resolução de problemas – hoje, com as atuais descobertas no âmbito da Etologia e Comportamento canino, sabemos que assim não é e que existem cães com capacidades cognitivas verdadeiramente fantásticas e que quando treinados e estimulados nesse sentido, as possibilidades são imensas.
Não querendo aqui entrar em atividades mais técnicas, como busca e salvamento ou deteção de narcóticos, explosivos e até doenças – interessa-nos perceber o porquê da estimulação ser efetivamente tão importante.
Sabemos que os cães têm vindo a evoluir, paralelamente com o ser humano há pelo menos 30 mil anos (segundo os últimos estudos), mas só apenas a partir do último século é que se tornaram verdadeiros animais de companhia – sendo esse o único objetivo para que os temos. Mas e quando não estamos nessa mesma companhia? Quando não estamos presentes e confinamos os cães a apartamentos ou varandas, ou canis durante 8 a 12 horas por vezes, o que esperamos que ele faça para ocupar o seu tempo, cujos ancestrais ocupavam em liberdade, a explorar ou a trabalhar. Não esperamos nada…e o problema é esse – esperar e exigir que o cão passe todas aquelas horas confinado e não faça nada, simplesmente se anule na sua existência – isto não é possível e muito menos é justo.
Em menos de 100 anos, retirámos a estes animais, a essência natural que tinham e que implicava a tomada independente de decisões. Neste momento, temos cães 100% dependentes de nós…há quem discorde. Então vejamos: decidimos o onde, o como, as horas e o que comem – assim como decidimos onde e quando deverá fazer as suas necessidades fisiológicas. Decidimos por ele o que cheirar e quem cheirar, a duração e percurso de passeios, os brinquedos que deve ou não gostar. Além de que nos achamos responsáveis por tudo aquilo que carateriza aquele animal, muitas vezes até a própria personalidade. Se isto não é controlar a vida de um animal e de certa forma, até subentende a sua total nulidade, não sei o que será. Não quero com isto ter uma visão pessimista ou condenatória da situação, quero simplesmente que tenhamos mais consciência do quanto anulamos as necessidades dos nossos animais e partindo dessa ideia, façamos o possível para contornar e compensar com outras coisas. Nunca a frase “deixem os cães ser cães” me fez tanto sentido.
E é aqui que entra a estimulação como forma de garantir o trabalho, o empenho, o poder de decisão e a canalização das suas potencialidades para algo benéfico para eles e consequentemente para nós, uma vez que influencia o bem-estar do cão e a nossa relação com ele – porque tudo está interligado.
E como se consegue a devida estimulação cognitiva do nosso cão? Através de coisas bem simples, que fazem parte do seu dia-a-dia, mas às quais passamos a dar mais atenção, detalhe e dedicação.
Em primeiro lugar, usar e abusar da estimulação dos sentidos, principalmente do olfacto – sabemos que este é o sentido mais apurado nos cães, no entanto, nem sempre os cães o sabem usar ou o fazem da melhor forma. Um passeio tranquilo, num pasto ou terreno, com uma trela comprida e deixar o cão cheirar e explorar livremente é uma dessas formas (ou solto, se for um cão que sabe andar em segurança sem trela). Em casa, para quem tem quintal e/ou jardim estimular o cão a explorar, escondendo biscoitos ou um brinquedo e motivar o cão a encontrar é outro exercício útil. Basicamente tudo o que implique o cão usar o nariz com um objetivo é uma boa forma de estimulação – relembro porém que paralelamente a isto, é importante termos um cão que sabe passear de trela, o que implica criar regras nos passeios de trela.
A alimentação também é uma óptima forma de estimulação dos sentidos: o paladar, o olfacto, o manuseamento por exemplo de um osso ou de uma carcaça, diferentes texturas e sabores (fruta, vegetais) - variar os alimentos a que o cão tem acesso; se não optar por uma alimentação completamente natural, pode perfeitamente incorporar na rotina do seu cão exercícios de degustação por exemplo.
Aproveitar os passeios de trela para trabalhar a obediência com simples exercícios básicos também é uma ótima forma de manter o cão estimulado e focado no passeio quando assim é necessário – os passeios de trela devem incluir momentos livres de exploração, assim como momentos de trabalho e focalização no detentor. Obediência, truques, regras são forma imprescindíveis de estimulação que também nos permitem ter um cão equilibrado e calmo nas mais variadas situações e contextos.
Depois temos variados (cada vez mais opções) de brinquedos interativos ou até mesmo brinquedos ou actividades que podemos fazer em casa com material reaproveitado (caixas de cartão, garrafas de plástico, rolos de papel, toalhas velhas, etc).
Para roer – uma actividade muito importante e uma necessidade básica deles que por vezes esquecemos também – temos imensas opções: desde ossos (o mais naturais possível), hastes, cornos, patas, brinquedos próprios, comida congelada, etc.
A principal ideia da estimulação cognitiva, mental e ambiental é criar actividades em que basicamente pomos os cães a “puxar pela cabeça”, seja através de estimulação dos próprios sentidos, quer através de exercícios estruturados, de resolução de problemas ou “puzzles”, quer através de passeios ricos em exploração.
Por fim e para não dissociar uma coisa da outra, temos o exercício físico que também permite a devida estimulação cognitiva – existem desportos muitos benéficos para os cães, que implicam treino também e estrutura, mas neste ponto, é importante ter sempre em conta as caraterísticas de desenvolvimento e físicas do cão para não o sobrecarregarmos de forma desadequada – isto na prática de desporto é extremamente importante.
Manter os cães ocupados é o mesmo que os manter felizes e equilibrados – e com isso todos saem a ganhar.


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