Os ataques de cães, as raças, os humanos e a comunicação social.

Os ataques de cães, as raças, os humanos e a comunicação social.
Muito se tem falado, ouvido, discutido e julgado nos últimos dias, após os ataques (divulgados e dramatizados) de cães a crianças em Portugal.
Um deles e o mais mediático – não fosse ele envolver uma raça de cão demonizada – simplesmente por pertencer a uma raça que alguém num belo dia e sem perceber absolutamente nada sobre comportamento canino, assim o decidiu – sim, porque desenganem-se quem considerar que a atual Lei em vigor das “Raças potencialmente perigosas” foi elaborada por pessoas conhecedoras da matéria…não foi. Até há bem pouco tempo, tudo o que mordia era Pitbull, nesta situação concreta, acabou por ser um Rotweiller o autor da tragédia. Mas a verdade é que todos os dias existem cães que mordem, independentemente da raça em questão.
Não existem raças perigosas – existem sim, cães que se podem tornar perigosos quando nas mãos erradas e nesse contexto, qualquer cão de porte médio a grande é efetivamente potencialmente perigoso e não apenas 7 raças específicas como as que a nossa Lei atualmente discrimina. Rotular nunca será a solução neste contexto porque induz em erro; muitos vão pensar que só aquelas sete raças exigem cuidados redobrados e irão facilitar ou achar-se com mais direitos porque têm um Labrador ou um Pastor Alemão.
Qual o grande problema desta Lei? Em nada ajuda as pessoas a melhor compreender os cães, contribui para a estigmatização e preconceito contra determinadas raças e seus donos, mas acima de tudo, não tem atingido o suposto objetivo pretendido – acabar com os ataques de cães a pessoas e crianças (sendo que estas últimas estarão sempre mais vulneráveis, quer pela própria condição de maior fragilidade, quer pelo facto que a comunicação cão/adulto e cão/criança será sempre diferente e deverá ser alvo de maior atenção e cuidado).
E depois temos a velha questão de se julgar e criticar indiscriminadamente, sem termos acesso a todos os factos da situação, quer o cão, quer o dono do cão e por vezes até a vítima – determinados comentários nas redes sociais são autênticas manifestações exacerbadas da estupidez humana; chega a ser assustador o quanto se confundem as coisas, o quão fácil é julgar quem erra.
E responsáveis? Quem são no fundo? O cão? Nunca. O dono? Sempre. A negligência e irresponsabilidade dos donos é o principal factor responsável pelos ataques de cães. Acidentes acontecem, claro que sim, mas podem ser evitados se formos responsáveis.
E não…o cão não “é o espelho do dono” nem “não existem maus cães, só maus donos”…estas frases feitas que tanta gente adora são de uma extrema ignorância e injustiça. Já conheci cães muitos complicados cujos donos fizeram e fazem de tudo para o ajudar, assim como previnem situações que se poderão tornar indesejadas. Como já conheci maus donos com cães fantásticos, assim como cães verdadeiramente “maus” – a questão é que a maldade é um conceito puramente humano e aplicado aos cães, terá sempre outro tipo de contornos.
Para todos os efeitos, há que saber o cão que temos à frente, os seus limites e potencialidades e vivermos os nossos dias de forma responsável e consciente – e este deve ser o nosso ponto de partida quando decidimos ter um cão na nossa família.
Nem todos os cães são iguais e se existem especificações dentro de determinadas raças – porque elas existem – a genética e a selecção artificial são interessantíssimas se nos dermos ao trabalho de compreender o seu papel – e se um cão foi seleccionado para determinada função, é essa função que devemos ter em mente quando o escolhemos e ter consciência que sim, o treino, a socialização, a educação ajudam imenso, mas nunca serão milagrosos se pretendemos, por exemplo, um cão tranquilo e optamos por uma raça de caça, ou se queremos um cão sociável com cães e optamos por uma raça que foi selecionada para combater com outros cães – o contexto, a educação, o treino e a socialização têm um importante papel, no entanto, pormos de lado o papel da genética e negá-la, poderá terminar da pior forma.
E qual a solução prática para efetivamente reduzir os ataques de cães? No meu ponto de vista: EDUCAÇÃO, PREVENÇÃO E FISCALIZAÇÃO; e para ser ainda mais justa, a abolição da atual Lei que regulamenta sete raças como potencialmente perigosas, mas por outro lado, a obrigatoriedade de Formação para todas as pessoas que pretendam ter um cão como elemento da família – e atenção: como CÃO e nunca como filho! Porque até nisto as pessoas precisam de ser educadas. Os cães são animais com necessidades específicas, com uma comunicação própria e distinta da nossa e não os podemos confundir a este nível. Se mais pessoas compreendessem a forma como os cães comunicam, prevenir-se-iam muitos ataques. Nenhum cão ataca do nada…antes de um cão morder o que quer que seja, já deu muitos sinais do seu desconforto – são estas pequenas coisas que é essencial as pessoas aprenderem a compreender.
A fiscalização e formação obrigatória porquê?
- Porque ainda existem uma grande maioria de pessoas que não apanha os dejetos do seu cão;
- Porque ainda existem muitas pessoas que acham que têm o direito de andar com o seu cão solto, sem trela, desrespeitando o espaço e liberdade de outras pessoas e cães em espaços públicos.
- Porque ainda existem pessoas que têm determinados cães para se vangloriarem e compensarem problemas de auto-confiança com um cão que impõe respeito;
- Porque ainda existem pessoas que acham que todos os cães são iguais e que irão facilitar com o seu cão até ao dia que acorda para a vida da pior forma e à custa de outro animal, ou pessoa, ou criança;
- Porque ainda há quem acredite que existem cães que têm gosto em atacar uma pessoa, outros que possuem maxilares topo de gama que trancam, ou ainda outros que são agressivos porque o cérebro cresce demais…
- Porque ainda há quem considere que a melhor forma de educar um cão é mostrar dominância sobre ele e não tolerar qualquer comportamento de caracter agressivo, castigando-o;
- Porque ainda há quem acredite que se um cão tem comportamentos agressivos, é porque foi treinado pelo dono para tal e por isso - um cão agressivo será sempre culpa de um “mau dono”...
- Porque ainda há quem ache que os cães devem ser treinados com estranguladoras e coleiras de choques, ou que são objetos para corresponder aos nossos caprichos.
Depois vem a questão de eutanasiar o cão,o que gera sempre muita revolta por um lado e indignação por outro. Há quem fique muito indignado quando se tenta evitar que um cão seja eutanasiado sem averiguação das condições que precipitaram a mordida, percepcionando isto como um desrespeito e desvalorização da vida humana que foi vitimizada…mas o que uma coisa tem a ver com a outra? Não se pode defender ambas as vidas paralelamente sem que isso seja superiorizar uma em detrimento da outra? A morte de mais uma vida não eliminará a situação trágica – e sim, um cão que ataca deverá ser eutanasiado, mas só depois de se avaliar o seu carácter e perceber todos os contornos do ataque em si e caso não haja outra solução além de ficar num canil o resto da vida! Porque na maioria das vezes, o ataque é precipitado e causado pelos humanos envolvidos e não por o cão “ser mau”. Eutanasiar indiscriminadamente é injusto e para compreendermos os ataques e preveni-los no futuro, temos de perceber o que levou ao ataque em si e o temperamento do cão em questão. Se se confirmar que efetivamente estamos perante um animal imprevisível e perigoso, aí sim, a Eutanásia deverá avançar, repito - não havendo outra solução mais humana para aquele cão.
Um cão será sempre da responsabilidade do seu dono, assim como uma criança será da responsabilidade dos seus pais e podemos muito bem ter um cão perigoso, que nunca constituirá risco para ninguém, se nas mãos certas. Como podemos ter um cão que todos têm vontade de acarinhar e por detrás daquela aparência, esconder-se algo muito imprevisível e por tal, uma autêntica bomba relógio – neste ponto, digo-vos que até hoje, o cão mais perigoso que me passou pelas mãos era, nem mais nem menos… que um Labrador.
Bom senso, responsabilidade, civismo…são 3 pilares de uma sociedade justa e coerente e que nenhum deles se encontra na generalidade das pessoas que atualmente possuem cães…seja por um lado ou por outro.
Por isso, as coisas têm de mudar, e esta mudança nunca chegará através de proibições, mas através da Educação – só assim se mudam mentalidades e temos um longo caminho pela frente no nosso país.


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